Documento será
encaminhado à presidente Dilma Rousseff, à Ministra do Meio Ambiente Izabella
Teixeira e ao Papa Francisco
Lideranças religiosas do Brasil e do
exterior acabam de lançar a Declaração e Compromisso Fé no Clima.
O documento, assinado por representantes de 12 religiões, sintetiza as
percepções e aspirações comuns a todos, as quais incluem o chamado para que a
sociedade, por intermédio também das suas comunidades religiosas, envolva-se
assertivamente na discussão sobre as mudanças climáticas, e uma agenda básica
para que o governo assuma metas ambiciosas na Conferência do Clima (COP 21), que
ocorrerá em Paris em dezembro de 2015.
Além de seu
conteúdo, também chama a atenção o processo de produção da Declaração: por meio
de debates nos quais cada liderança pode expor como sua religião interpreta a
questão da relação do homem com a natureza, todos puderam perceber como as
percepções são bastante semelhantes. “Contrastando com o crescente número de
notícias sobre intolerância religiosa, o que se viu no trabalho de produção da
Declaração e Compromisso Fé no Clima foi que todas as religiões têm muito em
comum”, destaca Maria Rita Villela, coordenadora do ISER (Instituto de Estudos
da religião – www.iser.org.br),
que coordenou esta iniciativa em parceria com o GIP (Gestão de Interesse Público
– www.gip.net.br).
“As palavras e as abordagens podem ser diferentes, mas todos os presentes
mostraram como suas religiões reconhecem uma entidade criadora da Natureza e a
necessidade de respeitá-la enquanto objeto de criação divina, portanto sagrada.
Outro ponto em comum é o cuidado mútuo e a solidariedade como possibilidade de
uma vida mais humana”, explica Maria Rita. “Todos também concordam que o
momento atual abre uma oportunidade para um salto de qualidade nas relações
humanas e com o planeta e que é urgente a busca pelo respeito à diversidade e
por maior justiça socioambiental. Nesse sentido, notou-se o forte
comprometimento com o tema, pois todos falaram que se sentem co-responsaveis em
levar essas mensagens para suas respectivas comunidades”, completa.
O documento
será encaminhado pelo ISER ao Papa Francisco, como forma de retorno à encíclica
Laudato Si – primeiro documento oficial do Vaticano a tratar do meio ambiente e
abordar a questão das mudanças climáticas – ao prefeito do Rio de Janeiro,
Eduardo Paes, que preside o C-40, que reúne líderes das grandes cidades do mundo
para decidir e adotar medidas contra as mudanças climáticas, e ao governador do
Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão. Ele também será enviado para a
presidente Dilma Rousseff e para a Ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira,
que devem definir nas próximas semanas as metas do Brasil para combater as
alterações do clima provocadas pela ação do homem. Essa definição faz parte do
processo de negociações conduzido pela ONU. “O Brasil, como um dos maiores
emissores dos gases que causam essas alterações no clima, mas também como um dos
maiores detentores de florestas e biodiversidade, tem um compromisso moral de
assumir uma posição de vanguarda, apresentando metas ambiciosas. É esta a
mensagem que as lideranças religiosas enviam ao nosso governo”, informa Maria
Rita.
Na
Declaração e Compromisso Fé no Clima (íntegra do texto ao final do
release), os lideres religiosos pedem: 1) a redução substancial das emissões de
gases com efeito de estufa compatível com a necessidade de limitar o aumento da
temperatura global a 2 graus Celsius até 2100; 2) a preservação da
biodiversidade em todos os biomas; 3) o controle do desmatamento; 4) ações de
adaptação em benefício das populações mais vulneráveis aos impactos das mudanças
climáticas; 5) a garantia de preservação de tradições culturais e modos de vida;
6) o combate à fome e à indignidade, e 7) a adoção preferencial de fontes de
energia renováveis e de tecnologias limpas.
Participaram
do encontro André Trigueiro (espírita e jornalista), Ariovaldo Ramos (pastor
evangélico), Mãe Beata de Yemanjá (Iyalorixá do Ilê Omi Ojuarô), Dolores
(Inkaruna) Ayay Chilón, professor de Quechua, da tradição Andina, Mãe Flávia
Pinto (umbandista), Rv. Fletcher Harper (pastor episcopal norte americano), Pe.
Josafá Carlos de Siqueira S.J (Igreja Católica), Kola Abimbola (Babalorixá
Yorubá e acadêmico nigeriano), Léo Yawabane (tradição indígena Huni Kuin, do
Acre), Lama Padma Samten (monje budista), e Timóteo Carriker (pastor
presbiteriano).
O Encontro
Internacional é uma das atividades da iniciativa Fé no Clima, promovida pelo
ISER e o GIP, que busca criar mais espaço para comunidades religiosas de
tradições diversas interagirem e evidenciarem suas próprias experiências de
engajamento com o tema das mudanças climáticas. O envolvimento do ISER com o
tema Mudanças Climáticas teve início em 2008, quando o Instituto realizou uma
pesquisa de opinião intitulada "O que as lideranças brasileiras pensam sobre
mudanças climáticas e o engajamento do Brasil?", reunindo percepções de 120
lideranças de diversos segmentos da sociedade brasileira (mídia, congresso,
empresas, academia, ONGs e governo) especialistas em temas correlatos
(energia, agronegócio, florestas e educação). Em 2009, foi a vez de escutarem o
que lideranças religiosas tinham a dizer sobre o tema. Como parte daquela
iniciativa, o ISER organizou um encontro multireligioso no qual os participantes
compartilharam e conheceram iniciativas de adaptação e educação em curso no
Brasil (link para o vídeo do encontro: https://www.youtube.com/watch?v=F3a2KfCjIlo).
Além do
encaminhamento da Declaração e Compromisso Fé no Clima para o
governo brasileiro e o Vaticano, o projeto inclui um novo debate no Encontro
Anual Aldeia Sagrada, que será realizado de 1 a 3 de outubro no Rio de
Janeiro.
Declaração e
Compromisso Fé no Clima
Comunidades
Religiosas e Mudanças Climáticas
Introdução
· Reunidos a convite do
Instituto de Estudos da Religião (ISER), em parceria com Gestão de Interesse
Público (GIP), no Encontro Internacional Fé no Clima, ocorrido em 25 de
agosto de 2015 no Rio de Janeiro, enquanto representantes de diversas
comunidades religiosas regionais, nacionais, internacionais e transnacionais,
vimos compartilhar nossas convergências de percepções e aspirações em torno do
tema das mudanças climáticas.
· Consideramos que essas
percepções e aspirações, na medida em que sejam conhecidas e disseminadas no
interior das nossas comunidades religiosas, contribuirão de maneira substantiva
para promover na esfera local mudanças comportamentais e éticas — individuais e
coletivas —, que se somarão aos compromissos sociais, econômicos e políticos a
serem assumidos pelos governos em suas esferas regionais, nacionais e nos fóruns
internacionais
· O debate sobre as
mudanças climáticas não pode se dar descontextualizado das questões sociais,
econômicas e ambientais. O risco que se corre com isso é o de que este
importante desafio de lidar com a mudança do clima se torne apenas mais uma
“bandeira”, sem uma reflexão mais profunda sobre seus impactos no aprofundamento
das desigualdades e na geração de disputas de política econômica global. Esse
debate deve ser apreciado à luz da justiça social, das questões ambientais mais
amplas e da busca de equidade econômica.
· O grupo de lideranças
comunitárias e religiosas, comprometido com a agenda ambiental, reunido na
iniciativa Fé no Clima espera dar um testemunho vivo da possibilidade de
comunhão de percepções, aspirações e ações concretas para a construção de um
mundo mais saudável e respeitoso, mesmo em face da mais ampla diversidade de
crenças e pertenças e inclusive de não crenças.
Percepções comungadas
· A Ciência vem
demonstrando que o estado de dilapidação do planeta Terra e o agravamento das
mudanças climáticas foram provocados pela ação humana recente (Antropoceno). O
conjunto de ações que conduziram o planeta à situação presente foi baseado em
uma mentalidade dominante que acreditava e agia como se o ser humano fosse algo
isolado das complexas relações que possibilitam a vida. Nossos fundamentos
sagrados, no entanto, encontram uma forte convergência na percepção de que o ser
humano é tão importante no planeta Terra (Mamapacha, Irê, Casa Comum) quanto os
outros entes animados e não animados que aqui vivem. A interdependência entre
todos os seres é a consciência que devemos promover em nossas comunidades,
se quisermos propiciar uma transformação ética e comportamental sistemática e
planetária.
· Consideramos que
enquanto a lógica da competição dominar a vida humana em sociedade e prevalecer
na base das razões dos Estados e nos campos de negociação da diplomacia global,
pouco ou nenhum avanço conseguiremos no sentido de tornar a vida planetária mais
justa e segura. Baseados em nossos fundamentos sagrados comungamos a ideia de
que o espírito de colaboração e cooperação pavimentam o caminho de uma vida em
sociedade mais saudável e digna para todos e cada um dos nós, em harmonia com o
ambiente e nossas diferenças intrínsecas. O espírito de colaboração e
responsabilidade compartilhada é o que devemos promover em nossas
comunidades, se quisermos propiciar a sustentabilidade da comunidade e do
planeta, onde cada pessoa conhece e defende os seus direitos, aceita e se
compromete com as suas responsabilidades.
· Entendemos que para a
mobilização das nossas comunidades em torno do tema das mudanças climáticas
devamos nos aproximar da Ciência e dos Saberes Tradicionais com igualdade de
respeito e valoração. Cada uma destas formas de produção de conhecimento, à sua
maneira, nos oferece evidências do estado atual do planeta e os horizontes
possíveis para ações transformadoras. Nossas experiências com ações sociais e
educativas desenvolvidas em nossas comunidades demonstram que percepções e
conceitos são melhor compreendidos e assimilados quando apresentados a partir de
experiências vividas. Assumimos o compromisso de expressar as discussões
sobre mudanças climáticas em uma linguagem que faça sentido para nossas
comunidades e que nos permita refletir sobre como podemos transformar nossos
modos de vida, promovendo sensibilização e mobilização efetiva sobre o
tema.
· Consideramos a
juventude o grande ator potencial da transformação de que necessitamos. As
gerações passadas, incluindo-se a nossa, agiram equivocada e inconsequentemente,
e disto estamos conscientes. Os jovens das nossas comunidades são os principais
agentes da transformação desejada e aqueles que construirão — assim o esperamos
— um planeta mais saudável para acolher os sonhos e as aspirações humanas.
Devemos agir imediatamente, veiculando esta mensagem de confiança na
juventude e em sua capacidade de transformação de uma forma abrangente e
eficaz, utilizando todos os meios de comunicação ao nosso alcance e uma
linguagem positiva, se desejarmos que as chances de um futuro saudável e seguro
estejam garantidas para as gerações atuais e futuras.
Aspirações
compartilhadas
· Sem negar nossa
preocupação com as tristes perspectivas que se apresentam sobre o futuro da vida
humana no planeta Terra, acreditamos na potência transformadora que reside na
comunhão de aspirações das diversas comunidades religiosas do mundo. Congregados
na intenção de transformar o paradigma de desenvolvimento vigente, pautado
equivocadamente na visão de que a proteção ao meio ambiente é um obstáculo ao
crescimento econômico e à promoção do bem-estar de nossas sociedades — e sua
correlata mentalidade predadora — desejamos contribuir com a promoção de
importantes transformações éticas e comportamentais — individuais e coletivas —
na direção de uma Criação que reflita esforços de cuidado, conexão espiritual e
justiça social, econômica e ambiental.
· Entendemos como
fundamental que a sociedade, por intermédio também das suas comunidades
religiosas, envolva-se assertivamente na discussão sobre as mudanças climáticas,
a responsabilidade que temos sobre elas e o que podemos fazer, individual e
coletivamente, para mudar nosso estilo de vida, interagindo com seus governos e
instituições especializadas no processo de construção de uma agenda global de
enfrentamento da crise climática, anunciadas pela Ciência e que só vem
agravando, decorrentes das ações humanas predatórias.
· Convocamos as
comunidades religiosas a demandarem que seus governos nacionais assumam metas
ambiciosas na Conferência do Clima (COP 21), que ocorrerá em Paris em dezembro
de 2015, para promover: 1) a redução substancial das emissões de gases com
efeito de estufa compatível com a necessidade de limitar o aumento da
temperatura global a 2 graus Celsius até 2100; 2) a preservação da
biodiversidade em todos os biomas; 3) o controle do desmatamento; 4) ações de
adaptação em benefício das populações mais vulneráveis aos impactos das mudanças
climáticas; 5) a garantia de preservação de tradições culturais e modos de vida;
6) o combate à fome e à indignidade, e 7) a adoção preferencial de fontes de
energia renováveis e de tecnologias limpas.
· Que a presente
declaração seja nosso compromisso coletivo para um clima ambiental e relacional
mais saudável entre todos os seres da Terra.
Rio de
Janeiro, 25 de agosto de 2015.
André
Trigueiro
Pastor
Ariovaldo Ramos
Mãe Beata
de Yemonjá
Dolores
(Inkaruna) Ayay Chilón
Mãe Flávia
Pinto
Reverendo
Fletcher Harper
Padre
Josafá Carlos de Siqueira SJ
Baba Kola
Abimbola
Léo
Yawabane
Lama Padma
Samten
Rabino
Nilton Bonder
Pastor
Timóteo Carriker