sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Lideranças religiosas lançam a Declaração e Compromisso Fé no Clima

Documento será encaminhado à presidente Dilma Rousseff, à Ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira e ao Papa Francisco

Lideranças religiosas do Brasil e do exterior acabam de lançar a Declaração e Compromisso Fé no Clima. O documento, assinado por representantes de 12 religiões, sintetiza as percepções e aspirações comuns a todos, as quais incluem o chamado para que a sociedade, por intermédio também das suas comunidades religiosas, envolva-se assertivamente na discussão sobre as mudanças climáticas, e uma agenda básica para que o governo assuma metas ambiciosas na Conferência do Clima (COP 21), que ocorrerá em Paris em dezembro de 2015.


Além de seu conteúdo, também chama a atenção o processo de produção da Declaração: por meio de debates nos quais cada liderança pode expor como sua religião interpreta a questão da relação do homem com a natureza,  todos puderam perceber como as percepções são bastante semelhantes.  “Contrastando com o crescente número de notícias sobre intolerância religiosa, o que se viu no trabalho de produção da Declaração e Compromisso Fé no Clima foi que todas as religiões têm muito em comum”, destaca Maria Rita Villela, coordenadora do ISER (Instituto de Estudos da religião – www.iser.org.br), que coordenou esta iniciativa em parceria com o GIP (Gestão de Interesse Público – www.gip.net.br).   “As palavras e as abordagens podem ser diferentes, mas todos os presentes mostraram como suas religiões reconhecem uma entidade criadora da Natureza e a necessidade de respeitá-la enquanto objeto de criação divina, portanto sagrada.  Outro ponto em comum é o cuidado mútuo e a solidariedade como possibilidade de uma vida mais humana”, explica Maria Rita.  “Todos também concordam que o momento atual abre uma oportunidade para um salto de qualidade nas relações humanas e com o planeta e que é urgente a busca pelo respeito à diversidade e por maior justiça socioambiental. Nesse sentido, notou-se o forte comprometimento com o tema, pois todos falaram que se sentem co-responsaveis em levar essas mensagens para suas respectivas comunidades”, completa.

O documento será encaminhado pelo ISER ao Papa Francisco, como forma de retorno à encíclica Laudato Si – primeiro documento oficial do Vaticano a tratar do meio ambiente e abordar a questão das mudanças climáticas – ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que preside o C-40, que reúne líderes das grandes cidades do mundo para decidir e adotar medidas contra as mudanças climáticas, e ao governador do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão.  Ele também será enviado para a presidente Dilma Rousseff e para a Ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, que devem definir nas próximas semanas as metas do Brasil para combater as alterações do clima provocadas pela ação do homem.  Essa definição faz parte do processo de negociações conduzido pela ONU. “O Brasil, como um dos maiores emissores dos gases que causam essas alterações no clima, mas também como um dos maiores detentores de florestas e biodiversidade, tem um compromisso moral de assumir uma posição de vanguarda, apresentando metas ambiciosas.  É esta a mensagem que as lideranças religiosas enviam ao nosso governo”,  informa Maria Rita.

Na Declaração e Compromisso Fé no Clima (íntegra do texto ao final do release), os lideres religiosos pedem:  1) a redução substancial das emissões de gases com efeito de estufa compatível com a necessidade de limitar o aumento da temperatura global a 2 graus Celsius até 2100; 2) a preservação da biodiversidade em todos os biomas; 3) o controle do desmatamento; 4) ações de adaptação em benefício das populações mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas; 5) a garantia de preservação de tradições culturais e modos de vida; 6) o combate à fome e à indignidade, e 7) a adoção preferencial de fontes de energia renováveis e de tecnologias limpas.

Participaram do encontro André Trigueiro (espírita e jornalista), Ariovaldo  Ramos (pastor evangélico), Mãe Beata de Yemanjá (Iyalorixá do Ilê Omi Ojuarô), Dolores (Inkaruna) Ayay Chilón, professor de Quechua, da tradição Andina, Mãe Flávia Pinto (umbandista), Rv. Fletcher Harper (pastor episcopal norte americano), Pe. Josafá Carlos de Siqueira S.J (Igreja Católica), Kola Abimbola (Babalorixá  Yorubá e acadêmico nigeriano), Léo Yawabane (tradição indígena Huni Kuin, do Acre), Lama Padma Samten (monje budista), e Timóteo Carriker (pastor presbiteriano).

O Encontro Internacional é uma das atividades da iniciativa Fé no Clima, promovida pelo ISER e o GIP, que busca criar mais espaço para comunidades religiosas de tradições diversas interagirem e evidenciarem suas próprias experiências de engajamento com o tema das mudanças climáticas. O envolvimento do ISER com o tema Mudanças Climáticas teve início em 2008, quando o Instituto realizou uma pesquisa de opinião intitulada "O que as lideranças brasileiras pensam sobre mudanças climáticas e o engajamento do Brasil?", reunindo percepções de 120 lideranças de diversos segmentos da sociedade brasileira (mídia, congresso, empresas, academia, ONGs e governo) especialistas em temas correlatos (energia, agronegócio, florestas e educação). Em 2009, foi a vez de escutarem o que lideranças religiosas tinham a dizer sobre o tema. Como parte daquela iniciativa, o ISER organizou um encontro multireligioso no qual os participantes compartilharam e conheceram iniciativas de adaptação e educação em curso no Brasil (link para o vídeo do encontro: https://www.youtube.com/watch?v=F3a2KfCjIlo). 

Além do encaminhamento da Declaração e Compromisso Fé no Clima para o governo brasileiro e o Vaticano, o projeto inclui um novo debate no Encontro Anual Aldeia Sagrada, que será realizado de 1 a 3 de outubro no Rio de Janeiro.

Declaração e Compromisso Fé no Clima
Comunidades Religiosas e Mudanças Climáticas

Introdução
·  Reunidos a convite do Instituto de Estudos da Religião (ISER), em parceria com Gestão de Interesse Público (GIP), no Encontro Internacional Fé no Clima, ocorrido em 25 de agosto de 2015 no Rio de Janeiro, enquanto representantes de diversas comunidades religiosas regionais, nacionais, internacionais e transnacionais, vimos compartilhar nossas convergências de percepções e aspirações em torno do tema das mudanças climáticas.

·   Consideramos que essas percepções e aspirações, na medida em que sejam conhecidas e disseminadas no interior das nossas comunidades religiosas, contribuirão de maneira substantiva para promover na esfera local mudanças comportamentais e éticas — individuais e coletivas —, que se somarão aos compromissos sociais, econômicos e políticos a serem assumidos pelos governos em suas esferas regionais, nacionais e nos fóruns internacionais

·    O debate sobre as mudanças climáticas não pode se dar descontextualizado das questões sociais, econômicas e ambientais. O risco que se corre com isso é o de que este importante desafio de lidar com a mudança do clima se torne apenas mais uma “bandeira”, sem uma reflexão mais profunda sobre seus impactos no aprofundamento das desigualdades e na geração de disputas de política econômica global. Esse debate deve ser apreciado à luz da justiça social, das questões ambientais mais amplas e da busca de equidade econômica.

·   O grupo de lideranças comunitárias e religiosas, comprometido com a agenda ambiental, reunido na iniciativa Fé no Clima espera dar um testemunho vivo da possibilidade de comunhão de percepções, aspirações e ações concretas para a construção de um mundo mais saudável e respeitoso, mesmo em face da mais ampla diversidade de crenças e pertenças e inclusive de não crenças.

Percepções comungadas
·   A Ciência vem demonstrando que o estado de dilapidação do planeta Terra e o agravamento das mudanças climáticas foram provocados pela ação humana recente (Antropoceno). O conjunto de ações que conduziram o planeta à situação presente foi baseado em uma mentalidade dominante que acreditava e agia como se o ser humano fosse algo isolado das complexas relações que possibilitam a vida. Nossos fundamentos sagrados, no entanto, encontram uma forte convergência na percepção de que o ser humano é tão importante no planeta Terra (Mamapacha, Irê, Casa Comum) quanto os outros entes animados e não animados que aqui vivem. A interdependência entre todos os seres é a consciência que devemos promover em nossas comunidades, se quisermos propiciar uma transformação ética e comportamental sistemática e planetária.

·   Consideramos que enquanto a lógica da competição dominar a vida humana em sociedade e prevalecer na base das razões dos Estados e nos campos de negociação da diplomacia global, pouco ou nenhum avanço conseguiremos no sentido de tornar a vida planetária mais justa e segura. Baseados em nossos fundamentos sagrados comungamos a ideia de que o espírito de colaboração e cooperação pavimentam o caminho de uma vida em sociedade mais saudável e digna para todos e cada um dos nós, em harmonia com o ambiente e nossas diferenças intrínsecas. O espírito de colaboração e responsabilidade compartilhada é o que devemos promover em nossas comunidades, se quisermos propiciar a sustentabilidade da comunidade e do planeta, onde cada pessoa conhece e defende os seus direitos, aceita e se compromete com as suas responsabilidades.
·   Entendemos que para a mobilização das nossas comunidades em torno do tema das mudanças climáticas devamos nos aproximar da Ciência e dos Saberes Tradicionais com igualdade de respeito e valoração. Cada uma destas formas de produção de conhecimento, à sua maneira, nos oferece evidências do estado atual do planeta e os horizontes possíveis para ações transformadoras. Nossas experiências com ações sociais e educativas desenvolvidas em nossas comunidades demonstram que percepções e conceitos são melhor compreendidos e assimilados quando apresentados a partir de experiências vividas. Assumimos o compromisso de  expressar as discussões sobre mudanças climáticas em uma linguagem que faça sentido para nossas comunidades e que nos permita refletir sobre como podemos transformar nossos modos de vida, promovendo sensibilização e mobilização efetiva sobre o tema.
·  Consideramos a juventude o grande ator potencial da transformação de que necessitamos. As gerações passadas, incluindo-se a nossa, agiram equivocada e inconsequentemente, e disto estamos conscientes. Os jovens das nossas comunidades são os principais agentes da transformação desejada e aqueles que construirão — assim o esperamos — um planeta mais saudável para acolher os sonhos e as aspirações humanas. Devemos agir imediatamente, veiculando esta mensagem de confiança na juventude e em sua capacidade de transformação de uma forma abrangente e eficaz, utilizando todos os meios de comunicação ao nosso alcance e uma linguagem positiva, se desejarmos que as chances de um futuro saudável e seguro estejam garantidas para as gerações atuais e futuras.

Aspirações compartilhadas

·   Sem negar nossa preocupação com as tristes perspectivas que se apresentam sobre o futuro da vida humana no planeta Terra, acreditamos na potência transformadora que reside na comunhão de aspirações das diversas comunidades religiosas do mundo. Congregados na intenção de transformar o paradigma de desenvolvimento vigente, pautado equivocadamente na visão de que a proteção ao meio ambiente é um obstáculo ao crescimento econômico e à promoção do bem-estar de nossas sociedades — e sua correlata mentalidade predadora — desejamos contribuir com a promoção de importantes transformações éticas e comportamentais — individuais e coletivas — na direção de uma Criação que reflita esforços de cuidado, conexão espiritual e justiça social, econômica e ambiental.
·   Entendemos como fundamental que a sociedade, por intermédio também das suas comunidades religiosas, envolva-se assertivamente na discussão sobre as mudanças climáticas, a responsabilidade que temos sobre elas e o que podemos fazer, individual e coletivamente, para mudar nosso estilo de vida,  interagindo com seus governos e instituições especializadas no processo de construção de uma agenda global de enfrentamento da crise climática, anunciadas pela Ciência e que só vem agravando, decorrentes das ações humanas predatórias.
·  Convocamos as comunidades religiosas a demandarem que seus governos nacionais assumam metas ambiciosas na Conferência do Clima (COP 21), que ocorrerá em Paris em dezembro de 2015, para promover: 1) a redução substancial das emissões de gases com efeito de estufa compatível com a necessidade de limitar o aumento da temperatura global a 2 graus Celsius até 2100; 2) a preservação da biodiversidade em todos os biomas; 3) o controle do desmatamento; 4) ações de adaptação em benefício das populações mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas; 5) a garantia de preservação de tradições culturais e modos de vida; 6) o combate à fome e à indignidade, e 7) a adoção preferencial de fontes de energia renováveis e de tecnologias limpas.
·  Que a presente declaração seja nosso compromisso coletivo para um clima ambiental e relacional mais saudável entre todos os seres da Terra.

Rio de Janeiro, 25 de agosto de 2015. 

André Trigueiro                               
Pastor Ariovaldo Ramos                 
Mãe Beata de Yemonjá                   
Dolores (Inkaruna) Ayay Chilón
Mãe Flávia Pinto                              
Reverendo Fletcher Harper            
Padre Josafá Carlos de Siqueira SJ
Baba Kola Abimbola                        
Léo Yawabane                                  
Lama Padma Samten                      
Rabino Nilton Bonder                     

Pastor Timóteo Carriker                         

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