quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Escolhas sustentáveis - SUA CASA COM A SUA CARA por Letícia Sodré

Letícia Sodré* 


Muitos acabam se perguntando: o que é essa tal de sustentabilidade e, afinal, o que isso tem a ver comigo? Para falar de forma simples, ir de encontro à sustentabilidade é agir de forma a gerar o menor impacto possível sobre o meio ambiente, dentro do qual o indivíduo também está incluído. Isso quer dizer, entre outras coisas, respeitar a sua saúde e a dos outros, não extrair da natureza mais do que ela pode oferecer, consumir os recursos naturais e os produtos de forma consciente.

Já são famosos os quatro erres do consumo consciente. Para quem não sabe, lá vão eles: repensar, reduzir, reutilizar e reciclar.

O primeiro passo que devemos dar nessa caminhada é refletir se aquilo que desejamos comprar é mesmo necessário: “eu preciso mesmo disso ou é só um capricho meu?”. Partindo daí, muitas compras desnecessárias já podem ser evitadas e muitos objetos que não seriam úteis deixam de ficar encostados em algum canto da nossa casa ou de virar lixo em um curto espaço de tempo.


Em seguida, quando já se decidiu pela compra, é o momento de ver se é possível consumir menos, inserindo aí também as embalagens dos produtos. Às vezes a gente dá uma exageradinha na quantidade e acaba desperdiçando um monte de coisas, não é? Refletir sobre o quanto daquele produto você precisa - antes de comprá-lo - é o ideal.

E então, depois de realizada a compra, o que fazer?

São três as opções. A primeira coisa a se pensar é dar uma nova vida àquele material, usando-o de outra forma ou customizando-o, a fim de que se adéque à sua necessidade no momento. Isso não sendo possível ou de seu interesse, a alternativa seguinte é a reciclagem, separando os materiais para que sejam transformados novamente em outros produtos. No caso de não ser passível de ser reciclado, a destinação que sobra é o descarte no lixo comum.
Dessas três soluções apresentadas, o reaproveitamento de materiais ainda é uma prática não muito presente no dia a dia da maioria das pessoas.

Em uma cultura em que o mais comum é comprar outro exemplar assim que algo estraga ou não serve mais para o seu propósito original, refletir sobre a forma como aquilo ainda pode ser útil é como nadar contra a corrente.

Nem tão antigamente assim, na época de nossas mães e avós, não era nada estranho aproveitar roupas e outros itens particulares de familiares, mudando uma coisinha aqui ou ali. Os eletrodomésticos duravam décadas e quando surgia um defeito, iam para o conserto; raramente se pensava em comprar um novo.

E por que hoje é diferente? Pelo custo envolvido, não costuma compensar financeiramente levar algum produto para a assistência técnica; a tecnologia vem avançando numa velocidade altíssima e rapidamente um novo produto supera o antigo; são muitas ofertas e facilitações para a compra, principalmente pela via do crédito; a mídia seduz o consumidor fazendo-o crer que ele é melhor na medida em que consome uma maior quantidade de coisas.

No entanto, quanto mais produtos novos são desnecessariamente adquiridos, mais lixo é gerado. Até que ponto devemos pensar apenas em um prazer e conforto imediatos?

O que ainda não é tão claro é que ir contra esse movimento que presenciamos atualmente traz benefícios não só econômicos, mas de qualidade de vida como um todo. Ao pensar em reaproveitamento, você passa a enxergar muito mais possibilidades em tudo e amplia o seu universo.  O que a princípio seria um problema pode vir a ser encarado como uma oportunidade. É uma mudança de modo de pensar e de visão de mundo que para ocorrer precisa essencialmente de criatividade.

E são infinitas as possibilidades. A porta de um banheiro pode se tornar o novo tampo de uma escrivaninha; caixotes de feira, um rack para a televisão; e tábuas antigas, uma prateleira.

Foi o que fez Graziela Urban, turismóloga, 35 anos: “Adaptei uma escrivaninha, utilizando a porta do banheiro que desativei. Pintei e encapei a porta, coloquei um passador de fios no buraco da maçaneta e comprei cavaletes para sustentá-la. Também aproveitei caixotes antigos de feira, bem resistentes, de madeira. empilhei dois, formando a base para minha televisão. Outros três empilhados servem como revisteiro e apoio para os adornos no canto da sala. Um último, em pé, apóia um de meus vasos. Eles estão na cor natural, apenas coloquei feltro grudado com velcro em baixo para não riscar o chão. Tem também uma estante de livros feita de tijolos e tábuas que pertencia aos meus pais. Como eram compridas, mandei cortá-las ao meio para caberem no ambiente e montei com espaços diferentes entre elas, o que gerou um efeito visual bem legal.”

Um item bem presente no nosso cotidiano que pode ser aproveitado em casa é o pneu. Ele pode se transformar em mesas, cadeiras, móveis, floreiras e outros objetos úteis.  Daniel Beato, artista plástico com formação em Desenho Industrial, após conviver dentro de casa com uma pilha de pneus usados, despertou para a possibilidade de utilizá-los de outra maneira e fundou em 2006 a ONG Arte em Pneus. Essa associação civil sem fins lucrativos transforma pneus usados em linhas de Ecoprodutos, como ecomobiliários, chaveiros, ecojóias, réplicas e materiais para escritório; disseminando desse modo a cultura do reaproveitamento de materiais para a redução do impacto ambiental que causamos com o descarte de resíduos.
Colocar na cabeça a ideia de que nem tudo precisa ser comprado, pode render bons negócios. Vale à pena incorporar à sua decoração móveis e demais objetos não mais utilizados por seus familiares, amigos e até de desconhecidos.

Se quiser mudar a cor do seu quarto, pode aproveitar a tinta que sobrou de um amigo. Está precisando de uma luminária? Será que a alguém não poderia oferecer uma que não esteja sendo utilizada? Nessa prática, o uso das redes sociais como Facebook e Twitter pode ser muito interessante, possibilitando que pergunte a seus contatos sobre a disponibilidade dos materiais dos quais necessita.

Pode-se achar esquisito, mas muitos acabam dando uma bisbilhotada na caçamba alheia a fim de encontrar artigos que lhes possam ser úteis. Afinal, o que não interessa mais para uma, pode ser de grande valia para outra pessoa.

Pode até gerar oportunidades de negócio. Os designers Nelson Schiesari e Patricia Fernandes, ao se verem indignados com o descarte de tacos de madeira nobre de reformas da cidade de São Paulo, criaram uma linha de móveis para dar uma nova vida a esse material, dando origem à empresa HocDie Design (www.hocdiedesign.com.br).

Já há muito tempo os discos de vinil não são mais tão usados. Depois das vitrolas quebrarem e não terem mais conserto então, o que fazer com eles? Pendurá-los na parede em uma disposição livre, estando em seu estado natural ou pintados, pode dar um efeito decorativo muito bonito para um cômodo de sua casa. Outra ideia encontrada no blog www.decoralli.blogspot.com é a de utilizar latas de leite ou de achocolatado para organizar toalhas de mão no banheiro.

Caso tenha um jardim em sua casa e tenha interesse de fazer nele uma horta, uma opção é construir uma fazendo uso de garrafas pet recortadas e barbante, arame ou fios de nylon, como se pode ver no blog do designer Marcelo Rosenbaum: www.rosenbaum.com.br/blog/rosenbaum-responde-ldl-48-horta-vertical.

É bem-vindo ter em casa algumas ferramentas para mexer com madeira, metais e tecido. Muito importante também é ser curioso e pesquisar de que forma elas podem ser utilizadas para consertar, conservar e revitalizar seus objetos. Com isso, além de economizar o dinheiro gasto com algum técnico ou com um novo produto, você desenvolve sua criatividade e deixa a sua casa com a sua cara.

Para decorar e mobiliar novos ambientes vale à pena visitar locais conhecidos como “Família vende tudo”, para onde – como o próprio nome diz – pessoas, principalmente famílias em mudança, vendem ou deixam em consignação seus móveis e demais objetos. Nessas lojas há uma grande variedade de opções, incluindo antiguidades, que também podem ser encontradas, em feiras como a da Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, aos sábados; e a do vão livre do MASP, na Avenida Paulista, aos domingos.

Querendo se desfazer de alguns itens da sua casa e dar a possibilidade de outros os utilizarem, uma boa ideia é procurar por entidades assistenciais próximas de sua casa. Elas têm o costume de realizar bazares nos quais vendem produtos doados para a geração de renda própria. Um é o da Hope - Apoio à Criança com Câncer, localizado na Alameda dos Guainumbis, 1027 - Planalto Paulista. Já o Mercatudo Casas André Luiz (www.mercatudo.org.br | 0800 7734066 / 2459-7000) retira em toda a grande São Paulo e região de Campinas e Sorocaba doações de qualquer tipo de material em desuso, como móveis, utensílios domésticos, CDs, DVDs, livros, roupas, calçados, materiais para reciclagem e outros.

Se o momento é de construir ou fazer uma reforma, a preocupação com a sustentabilidade também deve estar presente. O Portal Construção Eficiente (www.construcaoeficiente.com.br) é uma espécie de vitrine virtual, em que fabricantes e fornecedores da indústria da construção civil expõem produtos inovadores sob o ponto de vista de preservação ambiental. O site conta com 150 fornecedores e 500 produtos, como sistemas hidráulicos que possibilitam o reaproveitamento de água, aquecedores solares para residências, composteiras domésticas e tijolos construídos a partir de resíduos.

Como se pode ver, aplicar o princípio da sustentabilidade na sua vida não é assim um bicho-de-sete-cabeças. Basta uma predisposição para avaliar os impactos de suas escolhas cotidianas na sua vida, da comunidade à qual pertence e do planeta como um todo, a fim de perceber de que forma eles podem se tornar menores - para enfim, alterá-los, se for o caso.

A sua casa é uma fatia importante da sua vida e é essencial que esteja de acordo com aquilo que você pensa, acredita e pratica. Aproveitando a famosa frase de Mahatma Gandhi - “seja a mudança que você deseja ver no mundo”, se deseja promover uma nova realidade de maior equilíbrio, inicie na sua casa a mudança que deseja ver em si mesmo e no mundo. 

* Leticia Sodré
Assistente social formada pela PUC-SP e estudante de Pedagogia na USP, é envolvida na causa da sustentabilidade por acreditar em uma nova realidade de cooperação e respeito entre as pessoas e em sua relação com o mundo. Por dois anos realizou a gestão de projetos em sustentabilidade na OSCIP Instituto Baraeté e atualmente trabalha na área de educação infantil.

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