sexta-feira, 26 de julho de 2013

Clamor Coletivo: Medicina, Ciência e Complexidade

Vivian Blaso*

CLAMOR COLETIVO
Sou a insatisfação. Mas só me realizo na manifestação coletiva.
Individualidade. Num clamor universal: o novo fenômeno social.
O modelo mundial está equivocado.
Numa nave, tão pequena de abundância terrena.
Voltar aos estudos tribais.
No respeito: a individualidade
O mundo: Clama
A uma simples felicidade!
Sorrir ao desconhecido, sorrir, sorrir
A telepatia global: a empatia
As necessidades: A paz, o sono tranquilo, o respirar, o ar puro
Enquanto viver: São quatro
Estações no ano
Nas colheitas sazonais
Um supre o outro, sem ganância, sem torpeza.
Enquanto escrevo o que penso, nunca saberás o que canto.
Enquanto escrevo o que digo, nunca saberás o que penso.
São os gorjeios dos pássaros
A natureza do encanto, o recôndito d'alma, a tênue seda do amor.
O segredo contido numa explosão interior.



Atalir Ávila de  Souza 
Pai da autora do Blog Conversa Sustentável, Advogado e Poeta


Está claro que estamos vivendo um clamor coletivo. Época de descrença nas instituições políticas, privadas e religiosas. Essa falta de crença tem levado as pessoas para as ruas, a manifestarem suas insatisfações, mas onde há descrença também há esperança. Se não fosse a descrença, não teríamos a esperança e não nos movimentaríamos por melhores condições de vida, afinal o discurso das instituições políticas, privadas e religiosas também é o nosso discurso e sempre nos direcionaram a buscar o bem-estar. 

O desejo comum da nossa civilização é a felicidade, por isso estamos presenciando o movimento dos trabalhadores e de categorias como a dos médicos em busca de melhorias e autonomias que os estariam beneficiando em seus processos e dinâmicas de atendimentos cotidianos aos seus pacientes. Vou tomar como exemplo o ato médico para chamar a atenção sobre a emergência de reformas que poderiam verdadeiramente transformar não só os médicos brasileiros, mas a sociedade como um todo.

Edgar Morin, em seu livro A via para o futuro da humanidade, dedicou um capítulo para analisar a situação da medicina e da saúde. O autor tomou como exemplo a medicina ocidental, que, em função dos progressos na pesquisa, ampliou a expectativa de vida no mundo ocidental de 25 para 80 anos, o que contribuiu com a medicina ensinada nas faculdades e a tornou legítima e aceita pela comunidade científica.

A partir da década de 60, com o aparecimento da AIDS, a comunidade de médicos ficou abalada e tomou consciência de que não seria possível controlar a proliferação de vírus e bactérias. Com isso, foi necessário repensar os protocolos e rever as crenças de que este processo racional legitimado não produzia somente verdades racionais.

Nessa mesma época, em Nova York, Rachel Carson desencadeou uma série de debates nacionais sobre o uso de pesticidas químicos e os limites do progresso tecnológico, pois o uso indiscriminado de pesticidas começava a afetar a vida de pessoas, plantas e animais. 

Segundo Morin, a consciência ecológica nos fez reconhecer os limites dos poderes humanos sobre a natureza. Para ele, as hiperespecializações na medicina compartimentalizaram os saberes sobre o corpo e separaram o corpo em partes fragmentadas. Essa fragmentação promoveu a separação entre disciplinas, que oculta as conexões complexas que existem entre as partes do corpo e suas correlações com o ambiente. O indivíduo é tratado como paciente, mas ignorado como pessoa. Há uma disjunção entre a medicina que trabalha o corpo e as diversas psicoterapias, ou seja, a medicina trata o organismo, mas raramente trata a pessoa inserida em seu contexto social.

O desenvolvimento farmacológico empobreceu o conhecimento fitoterápico, e hoje nenhum ensinamento universitário mostra que o ser humano é multidimensional. Dessa forma, a ciência e a medicina isolaram os indivíduos. Mas o indivíduo vive em diversos circuitos e faz parte de uma biosfera, e isso reflete a imagem das necessidades de mudanças necessárias
à nossa civilização contemporânea.

Pensar na medicina ocidental requer o complexus, isto é, aquilo que é tecido em conjunto. Como posso tratar um paciente ignorando que ele é um sistema aberto recursivo e interacional? 

A medicina requer a transdisciplinaridade - um modo organizador que pode atravessar as disciplinas e vai convergir para a unidade. Para reformar a medicina é necessário também reformar a ciência; precisamos religar o que foi desligado. É necessário contextualizar e recontextualizar as relações entre os saberes fragmentados.

Como podemos desconsiderar os conhecimentos sobre a natureza, os alimentos e suas propriedades curativas? A medicina chinesa e a acupuntura inseridas nos procedimentos da medicinal ocidental? O papel da religião como crença que cura? O saber dos xamãs? Esses dilemas ainda imperam na Sociedade Brasileira de Medicina, que até dias atrás conferia aos médicos o poder exclusivo de prescrever terapias aos seus pacientes. O que devemos fazer com o conhecimento de um fisioterapeuta que, na lida diária com seus pacientes, descobre práticas inovadoras de melhorias, por exemplo, das funções motoras?

Morin encerra o capítulo com as vias reformadoras da medicina e da saúde: a reforma dos estudos da medicina, reforma da relação médico/paciente, reforma da relação generalista/especialista, reforma dos orçamentos, a via das simbioses entre medicinas, reforma dos hospitais e da indústria farmacológica.

Há uma emergência de reforma não só no pensamento da medicina, mas na reforma da ciência. Essa é uma proposta ousada, mas não é impossível, uma vez que a reforma do pensamento nos sugere um reaprender a pensar, a religar todos os continentes que foram separados desde a visão cartesiana que percorre a ciência contemporânea até os dias de hoje.  

Ir para as ruas manifestar-se já é um ato corajoso nos dias de hoje, mas também é um sinal de mal-estar geral na civilização, por isso encerro o texto com uma frase de Freud: "Os juízos de valor dos homens são inevitavelmente governados por seus desejos de felicidade, e, portanto são uma tentativa de escorar suas ilusões com argumentos".


*Profa. Vivian A. Blaso S. S. Cesar é Doutoranda e Mestre em Ciências Sociais, Especialista em Marketing e Sustentabilidade, Presidente da Organização do #Ciis2013. Ela estará no painel Comunicação, Cultura e Tecnologias que ocorrerá no segundo dia do Congresso (30/8). Veja a programa completa aqui https://www.facebook.com/Congresso.CiiS


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. Trad. Claudia Sant`Anna Martins. 1. ed. São Paulo:  Gaia, 2010.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. Paulo César Souza. 1. ed.São Paulo: Penguin Classics, Companhia das Letras, 2011. 
MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Trad. Edgar de Assis Carvalho, Marisa Perassi Bosco. 1. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2013.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário