Por Vivian Blaso, Presidente do #CiiS*
Segundo recente pesquisa divulgada
pelo Akatu, a maioria dos entrevistados afirma que a felicidade estaria
atrelada à saúde e à boa alimentação. Mas, parece que algumas marcas ainda
não perceberam isso, pois vemos que, para eles, a felicidade não tem nada a
ver com a saúde e nem com a boa alimentação.
A Kibon, por exemplo, por
meio do Facebook, apresenta a sua "Receita para felicidade" ou pede para os
internautas compartilhar a Felicidade, acredita os consumidores mais felizes
são queles que compartilham mais porque consomem mais de seus produtos. Ao
seu lado, numa releitura do valor calórico dos refrigerantes, a felicidade da
Coca Cola está embutida numa lata ou garrafa, como mostra a campanha "Abra a
Felicidade", que traz a promessa do consumo da felicidade por meio do consumo
do refrigerante.
Nestes dois casos - poderiam ser outras marcas e outros
produtos quaisquer, mas escolhi estas por estarem no auge das visibilidade de
suas campanhas publicitárias - não estamos falando exatamente de alimentos
ligados à saúde e à boa alimentação, como indicaram os consumidores
brasileiros na pesquisa Akatu, que trariam felicidade
Pelo contrário,
a leitura das campanhas publicitárias nos mostra que o que interessa é
consumir tais produtos para sermos felizes. E aqui é que está o grande
paradoxo da sociedade contemporânea que deseja a saúde o bem estar, mas que é
incentivada a comprar produtos que não são benéficos a saúde e qualidade de
vida, principalmente na atual epidemia de obesidade pela qual o mundo
passa.
AS ORIGENS DO CONSUMISMO
Foi a partir da década de 90 que o
consumismo passou a ser o alvo dos documentos elaborados pela Organização das
Nações Unidas (ONU) como uma das raízes da crise ambiental em que
vivemos.
Zygmunt Bauman define o "consumismo" como um tipo de arranjo
social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos
rotineiros, que impulsiona e coordena a estratificação social, definindo
grupos e políticas de vida individuais, e assim, o consumismo é a principal
força propulsora e operativa da sociedade, um atributo. Dessa maneira, o
autor já apontava a sociedade consumidora como a aquela que desvaloriza
a durabilidade, igualando "velho" a "defasado", impróprio para continuar
sendo utilizado e destinado à lata de lixo.
Ao discutir o bem estar, a
pesquisa do Akatu, aponta uma questão em jogo na sociedade de consumidores
seria: como desacoplar a relação de consumo a felicidade uma vez que a
felicidade vem sendo trazida como tema do discurso publicitário?
É
este o discurso que vem sendo alvo dos documentos da ONU sob o chapéu "Rumo a
Sociedade de Bem Estar". A aposta estaria sendo colocada na sustentabilidade
como promessa da melhoria da qualidade de vida das pessoas no
planeta.
Mas quando se introduz a sustentabilidade, surge uma contradição
entre o que é necessário e o que se coloca em prática, tanto do ponto de
vista das empresas como do ponto de vista do consumo.
No fundo sabemos
que tais produtos, como o refrigerante ou sorvete, além de não resolverem a
questão da felicidade, são altamente processados e, no geral, não são
considerados benéficos à saúde. A própria natureza dos produtos já estaria em
completo descompasso com a proposta de felicidade se os consumíssemos na
frequência e velocidade que necessitaríamos para mantermos-nos
felizes.
CLASSE C
Para complicar ainda mais o debate, um outro
ponto relevante a ser colocado em discussão a partir da pesquisa do Akatu seria a preferência da Classe C ao optar pelo caminho do consumo - de todos
os tipos de produtos e serviços - em detrimento ao caminho sustentável, pois
há uma crescente massificação do consumo no Brasil.
Isso traz
consequências imediatas ao comprometimento das melhorias das condições de
vida das pessoas nas cidades uma vez que o resultado direto do consumo é o
aumento na produção de resíduos; na intensidade do consumo energético e,
consequentemente, uma significativa majoração nas emissões dos gases
causadores do efeito estufa. Isso tudo, sem contar nos impactos diretos à
saúde das pessoas ao consumirem mais alimentos processados como, no caso,
sorvetes ou refrigerantes, em excesso.
O filósofo francês Serge Latouche,
aponta que será preciso combater o "desenvolvimento sustentável", ele
acredita no "futuro sustentável da vida" e para isso será necessário
reavaliar, reconceituar, reestruturar, realocar, redistribuir, reduzir,
reutilizar e reciclar.
Para ele, a via mestra para tal feito seria a
felicidade e consequentemente o decrescimento, porque, se somos felizes,
seremos menos suscetíveis à propaganda e à compulsividade do desejo. Essas
opções implicam uma mudança de atitudes com relação à natureza, buscando a
condição necessária para evitar um destino de obsolescência programada da
humanidade.
Portanto, devemos nos perguntar: Se estamos condicionados em
uma sociedade de consumo, como reinventar processos, inovar arriscando os
métodos tradicionais de produção, para nos aventurarmos em novos métodos que
sugerem produções mais limpas?
É aí que surge a inovação: será que para
ser feliz precisamos cultuar a cultura do "ter", justamente a cultura que nos
coloca no centro de tudo?
No fundo, estas indagações trazem reflexões
sobre os valores, a ética, a responsabilidade social, ambiental e
comportamental. É um resgate da moral.Entretanto, será necessário se permitir
sair da fôrma, para inovar e criar novos mecanismos de sobrevivência, sem
necessariamente precisar do "ter" para ser feliz.
E, ao falar em
Ética, exige-se uma reflexão, ou religação, como diz Edgar Morin, entre o
indivíduo, a espécie e a sociedade. E, para que essa religação ocorra, é
necessário o autoconhecimento.
A dominação dos objetos materiais, o
controle das energias e a manipulação dos seres vivos foram importantes para
o avanço da humanidade, mas se tornou míope para captar as realidades
humanas, convertendo-se numa ameaça para o futuro humano. Por isso, se faz
necessário "Hominescer", como aponta Michel Serres, que aposta na
inventividade do homem para poder construir uma nova humanidade capaz de
religar cultura, ciência e filosofia.
Na perspectiva da complexidade
apontada por Serres e Morin, podemos considerar a dificuldade de encontrar
mecanismos capazes de unir o que está separado, separar o que está junto, uma
vez que esse processo também vem ocorrendo nas escaladas de produção e
consumo, que são tratados de maneira separadas, e, para religá-las, será
necessário reconectar o individuo, a espécie e a sociedade, não separando a
ciência da técnica, e nem a natureza da cultura. Será necessário, sobretudo
restabelecer a Ética. E isto se faz por meio de diálogo entre todos sem
fazer caças as bruxas já que o processo e mudança requer a complexidade em
si.
*Profa. Vivian A. Blaso S. S. Cesar é Doutoranda e Mestre em
Ciências Sociais, Especialista em Marketing e Sustentabilidade, Presidente
da Organização do #Ciis2013. Ela estará no painel Comunicação, Cultura
e Tecnologias que ocorrerá no segundo dia do Congresso (30/8). Veja a
programação completa aqui www.ciis.com.br.
Referências:
BAUMAN,
Zygmunt. Vida para o Consumo: a transformação das pessoas em mercadorias.
Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2008.
PESQUISA Akatu 2012 - Rumo a Sociedade do Bem Estar
MORIN,Edgar. O
Método 6: ética. Juremir Machado da Silva.Porto
Alegre: Sulina,2005
SERRES, Michel. Hominescências: o começo de uma outra
humanidade. Tradução Edgard de Assis Carvalho, Mariza Perassi Bosco. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
LATOUCHE,Serge. http://www.ihu.unisinos.br
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